Composto em 1944, este trio é uma das obras de "pathos" mais trágico
da produção do compositor. Simultâneo à "Sinfonia nº 8", foi concluído
em 13 de agosto e estreado em novembro, com o próprio compositor
ao piano, ladeado por membros do Quarteto Beethoven.
Shostakovich escreveu-o sob o impacto da morte de um de seus amigos
mais próximos, o musicólogo Ivan Sollertinsky. Homenageou o amigo
dileto utilizando um dos gêneros que considerava de mais complexa
fatura, a música de câmara: "A música de câmara exige do compositor",
afirmou em janeiro de 1944, "a mais impecável técnica e profundidade
de pensamento. Não acho que esteja errado se disser que muitas vezes
os compositores escondem a pobreza de suas idéias por baixo do brilho
do som orquestral".
E é curioso que ele mesmo atendesse a tamanhas exigências com tanta
facilidade. Naquele mesmo 1944, pouco depois de completar o trio
opus 67, Shostakovich escreveu a Chebalin: "A rapidez vertiginosa
com que componho me inquieta. Não é bom, não tenho dúvida. Não se
deveria compor tão rápido quanto eu. Componho diabolicamente depressa
e não consigo me conter". De fato, Shostakovich compunha à razão
de vinte a trinta páginas de partitura por dia. "A composição me
vem como num clarão; depois, é só transferi-la para o papel".
Pressa, ao menos neste caso, também significa perfeição. Desde
o início, Shostakovich prende a atenção ao combinar passagens em
trêmolo no violoncelo com notas graves no violino: isso causa a
impressão de que de repente os instrumentos inverteram suas posições
na partitura. O segundo movimento é um scherzo impetuoso, enquanto
o Largo concentra todo o "pathos" e a dor da perda do amigo e da
atmosfera trágica geral na qual estava mergulhado o mundo em plena
Segunda Guerra Mundial: violino e violoncelo levam penosamente em
frente uma triste conversa, sobre um tapete sonoro de harmonias
corais sombrias do piano.
Apesar de iniciar-se com um Allegretto, o movimento final desemboca
num Adagio tecido com um tema inquietante e anguloso. O desenvolvimento
deste tema leva a um movimento rítmico mecânico, acompanhado por
repetições automatizadas, num contraponto que causa estranhamento.
Tais efeitos combinados, já se sugeriu, evocam uma monstruosa procissão
de formas cruéis e sinistras. Na coda - recapitulação final -, Shostakovich
retoma o tema lírico do primeiro movimento, típico das canções tradicionais
russas: é praticamente um manifesto de esperança, ainda que tímido,
em dias melhores.
25 e 26 de junho
Jerusalem Trio
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